Aproveitando a recente comemoração do Dia dos Pais, gostaria de propor uma reflexão sobre o importante papel que essa função exerce na constituição de cada um de nós.
Freud dizia que o superego do sujeito, ou seja, nosso juiz interior, é, inicialmente, constituído a partir do modelo proposto pelos pais (cópia do superego deles) e internalizado como uma lei que cobra esses padrões idealizados pela criança, vistos como bons e fornecedores de segurança, ainda que cerceadores do desejo.
Frente às reiteradas ocorrências nada honrosas observadas em nosso quadro político, não consegui me furtar a falar sobre ética e a falta de transparência vinda de nossos dirigentes.
Acerca de seu significado, podemos recorrer à definição proposta pelo jornalista, filósofo e professor na Área de Ética da Escola de Comunicações e Artes da USP Clóvis de Barros Filho: ética é uma inteligência compartilhada, à serviço do aperfeiçoamento da convivência humana, sendo universal sobre certos aspectos, mas que sofre modificações ao longo do tempo.
De volta ao tema do narcisismo, sob o enfoque dos relacionamentos tóxicos, cuja curiosidade se ampliou a partir de debates midiáticos sobre mães narcisistas, gostaria de tecer paralelos e propor uma provocação.
É sempre bom ressaltar que nenhum de nós está livre do narcisismo: ele nos constitui, na medida em que dependemos, em algum grau, das provisões de segurança e reconhecimento vindas do outro, algo intrínseco ao humano.
O tema do abuso de menores é algo muito sensível em nossa sociedade. A nova campanha nacional contra o abuso infantil no Brasil revela uma média de 4 casos por hora e a volta nada triunfal do tri-70: 70% meninas menores de 13 anos, 70% dentro de casa, 70% praticado por familiares, acima de 40%, pelo padrasto.
Buscar coibir, através da denúncia, parece fundamental para tentar erradicar uma prática abjeta, para a qual muitos fecham os olhos, numa provável tentativa de idealização da família perfeita, pois lidar com algo do tipo, além de ferir os padrões morais, requer, na maioria das vezes, medidas para as quais os demais adultos implicados não se sentem prontos: e aí, negar as evidências pode ser mais suportável, para a infelicidade destas crianças.
Parece que estes dois estados emocionais estão cada vez mais impregnados em nosso psiquismo, ganhando proporções que beiram ao descontrole.
O que podemos dizer, isoladamente, sobre estes afetos que, de vez em vez, têm a capacidade de sequestrar nossa paz interior?
Já faz algum tempo que eu venho ensaiando escrever sobre este tema pesado e recorrente. O gatilho foi um artigo veiculado na BBC Brasil, no último sábado, sobre um jornalista argentino que iniciou o noticiário em Rosário trazendo sua história pessoal da infância, marcada pelo abuso sexual patrocinado por seu pai sobre sua irmã caçula, e o de seu tio sobre ele e o irmão.
A trama não para aí: segundo ele, sua mãe também foi vítima deste companheiro violento e abusivo, de todas as formas possíveis, ao mesmo tempo que cúmplice – ela sabia do que acontecia quando eram pequenos – ele mesmo, aos 12 anos, escancarara a situação, mas ela não tomou nenhuma atitude na época.
Quarta-feira, dia de feira, com seus aromas especiais, misturados aos sons de carrinhos e abre-fecha de sacolas quase inaudíveis, sufocados por falas engraçadas de feirantes estridentes e clientes reclamando dos preços: “o tomate está pela hora da morte!”.
E a tentação do pastel, então! – mas li o artigo de meu amigo e lembrei que preciso ser forte, não cair em tentação; mais ainda, colocaria a perder o propósito da ida à feira, verdadeiro pretexto para ampliar a caminhada, numa luta insana contra a balança que não dá trégua e a favor da saúde, que também tem se manifestado a respeito nos últimos tempos.
Quando vasculhamos um pouco os anais de nossa história, surgem evidências de uma época bem diferente, em que mulheres eram tidas e respeitadas como deusas, sendo reverenciadas pelos homens.
A principal razão residia no fato de que elas eram tidas como únicas responsáveis pela reprodução da espécie, num tempo em que ainda não havia a noção da participação do sêmen neste fenômeno, como bem nos relata Regina Navarro Lins, na introdução de seu livro A cama na varanda.
Pensando sobre o conhecido aforismo freudiano: “Afinal, o que quer uma mulher?”, nada melhor do que tentar descrever seu papel social, à época de Freud e hoje, para então arriscar decifrar o enigma, se é que podemos falar de forma genérica sobre o tema, sem tomar a mulher uma a uma.
Freud viveu num período da história, entre os séculos XIX e XX, influenciado pelo iluminismo, onde os ideais de liberdade, igualdade, fraternidade, ainda que postos, seguiam carregados de fortes influências de um patriarcado trabalhoso de ser diluído e que, de certa forma, ainda persiste nos dias de hoje.
Ser humano e bem resolvido consigo mesmo não é para amadores. Afinal, vivemos num eterno conflito entre desejo e realidade, tendo que fazer escolhas o tempo todo, sem nenhuma garantia de que é a melhor dentre tantas outras. Aliás, muitas vezes adiamos este momento de decisão, até o limite, iludidos de que podemos simplesmente não fazer nada a respeito, como se a não escolha também não fosse uma escolha!
Pois é, e não basta escolher por escolher, pois isso também não nos satisfaz e, com o agravante de vir a gerar sofrimentos, os quais, boa parte das vezes, sequer associamos a alguma escolha tomada de maneira irrefletida ou inconsequente.