<span class="abre-texto">Já faz algum tempo que eu venho ensaiando</span> escrever sobre este tema pesado e recorrente. O gatilho foi um artigo veiculado na BBC Brasil, no último sábado, sobre um jornalista argentino que iniciou o noticiário em Rosário trazendo sua história pessoal da infância, marcada pelo abuso sexual patrocinado por seu pai sobre sua irmã caçula, e o de seu tio sobre ele e o irmão.
A trama não para aí: segundo ele, sua mãe também foi vítima deste companheiro violento e abusivo, de todas as formas possíveis, ao mesmo tempo que cúmplice – ela sabia do que acontecia quando eram pequenos – ele mesmo, aos 12 anos, escancarara a situação, mas ela não tomou nenhuma atitude na época.
Ao final de 2022, após vencer a vergonha e graças a muita terapia, ele denunciou o tio. Em 2023, foi a vez do pai, pela violência doméstica patrocinada por ele. Recentemente conseguiu convencer a irmã a também denunciá-lo por abuso sexual e, há algumas semanas, o abusador em questão acabou se suicidando.
Infelizmente este tema é ainda muito frequente, não importa o país.
Mas o que casos como este trazem em comum? A maior parte segue encoberta pela própria família que prefere fingir, em verdadeiro movimento negacionista, escolhendo não ver que algo assim possa estar acontecendo debaixo do próprio teto.
As vítimas: crianças que logo se traumatizam ou, a depender da capacidade de sedução do adulto, podem vir a se dar conta do aspecto insidioso do ato só mais tarde. Em ambos os casos, crescem carregadas de marcas, sentindo-se, na maioria das vezes, responsáveis por terem despertado esta lascívia em seus parentais, com receio de verbalizar o que lhes ocorreu, tentando apagar feridas via recalcamento destes traumas e pagando um alto preço por isto.
E de outro lado, não menos vítimas, adultos que provavelmente, em sua maioria, sofreram abusos quando crianças e repetem o padrão por incapacidade elaborativa – algo que não justifica seus atos, porém explica a origem.
Vale aqui um comentário, inspirado no livro de Freud Totem e tabu: o homem primitivo aprendeu a lidar com emoções mais instintivas como esta do incesto quando, ao sair das cavernas e se organizar em grupos maiores, assumiu um novo contrato social, deixando de possuir as mulheres do próprio clã por opção, transformando a partir de então a atração sexual originária por uma relação de ternura por elas. No entanto, alguns ainda, por modelos inadequadas e falhas no interdito, retroagem a esta condição bárbara, fenômeno este conhecido como perversão.
Estudos mostram que o abuso sexual dentro do ambiente familiar é responsável por quase metade dos casos, patrocinada por alguém do convívio destas crianças, cujo papel seria o de promover suporte emocional.
No Brasil, de acordo com outro artigo da BBC, foram notificados 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, de 2015 a 2021. Em 2021, o número de notificações foi o maior já registrado no período, com 35.196 casos, segundo o governo federal. E sabemos que há muita subnotificação, por vergonha, omissão ou outros fatores envolvidos.
Os dados brasileiros também apontam que aproximadamente 81% dos agressores são do sexo masculino, no caso de crianças de até 9 anos, e 86%, no caso de adolescentes de 10 a 19 anos, sendo as vítimas predominantemente as meninas – 77% das notificações, na faixa de até 9 anos e quase 93% das notificações, na faixa de 10 a 19 anos.
Já acompanhei muitos relatos em consultório, podendo afirmar que, na imensa maioria, estes pacientes, quando crianças à época do abuso, não tiveram coragem em falar a respeito com algum adulto responsável, seja por medo da retaliação do abusador, seja por vergonha, sentindo-se corresponsáveis. No caso de uns poucos que tentaram fazê-lo, não foram levados a sério tampouco.
A escuta, no setting analítico, tem papel fundamental para auxiliar aquele que viveu este drama a superar os atos insanos patrocinados por alguém profundamente perturbado e perturbador, geralmente um parental próximo o suficiente para dificultar, ainda mais, esta superação.
O objetivo deste tipo de análise é o de estimular a liberação das emoções que foram aprisionadas, promovendo um melhor entendimento do ocorrido para conseguir sair da posição de vítima e, literalmente, virar a página – o que não significa apagar o ocorrido, mas sim não mais permitir um se sentir vulnerável, frágil. A busca é a de se libertar dos envolvidos na trama pelo perdão e auto perdão, promovendo assim o lento, mas consistente afrouxamento das amarras que o aprisionam.
Além do trabalho analítico, caso o adulto abusado na infância queira levar o caso para a esfera jurídica, o apoio à denúncia pode, além de ajudar a reduzir sua angústia, coibir um pouco este reiterado massacre à inocência de outras crianças que igualmente não detêm maturidade emocional a lidar com tal situação, como bem observado no filme Spotlight: segredos revelados, de 2015, acerca da pedofilia no clero.
Certamente esse mesmo apoio, em se tratando de uma criança vivendo a aterradora violência citada, ganha corpo e vira incentivo a que algum outro responsável por ela, agindo com maturidade, venha a separá-la do algoz através dos meios legais para tal. Sobre isso, vale ressaltar o cuidado em avaliar se o discurso da criança é real, se faz parte de uma fantasia infantil ou, ainda, se há outras motivações àquele relato, para se evitar o que aconteceu, tempos atrás, com a Escola Base de São Paulo, vítima de um dos maiores erros jornalísticos sobre o tema, ou mesmo o evento bem relatado no filme sueco A caça, de 2012.
O festival de música Rock in Rio inicia nesta sexta-feira (13) e segue até domingo (22) na Cidade do Rock, localizada na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
O evento completa 40 anos da sua primeira edição e promete uma celebração histórica. A organização espera receber mais de 700 mil pessoas, entre moradores do estado, turistas brasileiros e estrangeiros.
Pesquisa do Instituto Alana indica que nove em cada dez brasileiros acreditam que as redes sociais não protegem crianças e adolescentes. O levantamento, realizado pelo Datafolha, ouviu 2.009 pessoas, com 16 anos ou mais, de todas as classes sociais, entre os dias 12 e 18 de julho.
Segundo o estudo, divulgado nesta quinta-feira (12), 97% dos entrevistados defendem que as empresas deveriam adotar medidas para proteger crianças e adolescentes na internet, através da comprovação de identidade, melhoria no atendimento ao consumidor para denúncias, proibição de publicidade e venda para crianças, fim da reprodução automática e da rolagem infinita de vídeos e limitação de tempo de uso dos serviços.
<span class="abre-texto">Já faz algum tempo que eu venho ensaiando</span> escrever sobre este tema pesado e recorrente. O gatilho foi um artigo veiculado na BBC Brasil, no último sábado, sobre um jornalista argentino que iniciou o noticiário em Rosário trazendo sua história pessoal da infância, marcada pelo abuso sexual patrocinado por seu pai sobre sua irmã caçula, e o de seu tio sobre ele e o irmão.
A trama não para aí: segundo ele, sua mãe também foi vítima deste companheiro violento e abusivo, de todas as formas possíveis, ao mesmo tempo que cúmplice – ela sabia do que acontecia quando eram pequenos – ele mesmo, aos 12 anos, escancarara a situação, mas ela não tomou nenhuma atitude na época.
Ao final de 2022, após vencer a vergonha e graças a muita terapia, ele denunciou o tio. Em 2023, foi a vez do pai, pela violência doméstica patrocinada por ele. Recentemente conseguiu convencer a irmã a também denunciá-lo por abuso sexual e, há algumas semanas, o abusador em questão acabou se suicidando.
Infelizmente este tema é ainda muito frequente, não importa o país.
Mas o que casos como este trazem em comum? A maior parte segue encoberta pela própria família que prefere fingir, em verdadeiro movimento negacionista, escolhendo não ver que algo assim possa estar acontecendo debaixo do próprio teto.
As vítimas: crianças que logo se traumatizam ou, a depender da capacidade de sedução do adulto, podem vir a se dar conta do aspecto insidioso do ato só mais tarde. Em ambos os casos, crescem carregadas de marcas, sentindo-se, na maioria das vezes, responsáveis por terem despertado esta lascívia em seus parentais, com receio de verbalizar o que lhes ocorreu, tentando apagar feridas via recalcamento destes traumas e pagando um alto preço por isto.
E de outro lado, não menos vítimas, adultos que provavelmente, em sua maioria, sofreram abusos quando crianças e repetem o padrão por incapacidade elaborativa – algo que não justifica seus atos, porém explica a origem.
Vale aqui um comentário, inspirado no livro de Freud Totem e tabu: o homem primitivo aprendeu a lidar com emoções mais instintivas como esta do incesto quando, ao sair das cavernas e se organizar em grupos maiores, assumiu um novo contrato social, deixando de possuir as mulheres do próprio clã por opção, transformando a partir de então a atração sexual originária por uma relação de ternura por elas. No entanto, alguns ainda, por modelos inadequadas e falhas no interdito, retroagem a esta condição bárbara, fenômeno este conhecido como perversão.
Estudos mostram que o abuso sexual dentro do ambiente familiar é responsável por quase metade dos casos, patrocinada por alguém do convívio destas crianças, cujo papel seria o de promover suporte emocional.
No Brasil, de acordo com outro artigo da BBC, foram notificados 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, de 2015 a 2021. Em 2021, o número de notificações foi o maior já registrado no período, com 35.196 casos, segundo o governo federal. E sabemos que há muita subnotificação, por vergonha, omissão ou outros fatores envolvidos.
Os dados brasileiros também apontam que aproximadamente 81% dos agressores são do sexo masculino, no caso de crianças de até 9 anos, e 86%, no caso de adolescentes de 10 a 19 anos, sendo as vítimas predominantemente as meninas – 77% das notificações, na faixa de até 9 anos e quase 93% das notificações, na faixa de 10 a 19 anos.
Já acompanhei muitos relatos em consultório, podendo afirmar que, na imensa maioria, estes pacientes, quando crianças à época do abuso, não tiveram coragem em falar a respeito com algum adulto responsável, seja por medo da retaliação do abusador, seja por vergonha, sentindo-se corresponsáveis. No caso de uns poucos que tentaram fazê-lo, não foram levados a sério tampouco.
A escuta, no setting analítico, tem papel fundamental para auxiliar aquele que viveu este drama a superar os atos insanos patrocinados por alguém profundamente perturbado e perturbador, geralmente um parental próximo o suficiente para dificultar, ainda mais, esta superação.
O objetivo deste tipo de análise é o de estimular a liberação das emoções que foram aprisionadas, promovendo um melhor entendimento do ocorrido para conseguir sair da posição de vítima e, literalmente, virar a página – o que não significa apagar o ocorrido, mas sim não mais permitir um se sentir vulnerável, frágil. A busca é a de se libertar dos envolvidos na trama pelo perdão e auto perdão, promovendo assim o lento, mas consistente afrouxamento das amarras que o aprisionam.
Além do trabalho analítico, caso o adulto abusado na infância queira levar o caso para a esfera jurídica, o apoio à denúncia pode, além de ajudar a reduzir sua angústia, coibir um pouco este reiterado massacre à inocência de outras crianças que igualmente não detêm maturidade emocional a lidar com tal situação, como bem observado no filme Spotlight: segredos revelados, de 2015, acerca da pedofilia no clero.
Certamente esse mesmo apoio, em se tratando de uma criança vivendo a aterradora violência citada, ganha corpo e vira incentivo a que algum outro responsável por ela, agindo com maturidade, venha a separá-la do algoz através dos meios legais para tal. Sobre isso, vale ressaltar o cuidado em avaliar se o discurso da criança é real, se faz parte de uma fantasia infantil ou, ainda, se há outras motivações àquele relato, para se evitar o que aconteceu, tempos atrás, com a Escola Base de São Paulo, vítima de um dos maiores erros jornalísticos sobre o tema, ou mesmo o evento bem relatado no filme sueco A caça, de 2012.
O festival de música Rock in Rio inicia nesta sexta-feira (13) e segue até domingo (22) na Cidade do Rock, localizada na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
O evento completa 40 anos da sua primeira edição e promete uma celebração histórica. A organização espera receber mais de 700 mil pessoas, entre moradores do estado, turistas brasileiros e estrangeiros.
Pesquisa do Instituto Alana indica que nove em cada dez brasileiros acreditam que as redes sociais não protegem crianças e adolescentes. O levantamento, realizado pelo Datafolha, ouviu 2.009 pessoas, com 16 anos ou mais, de todas as classes sociais, entre os dias 12 e 18 de julho.
Segundo o estudo, divulgado nesta quinta-feira (12), 97% dos entrevistados defendem que as empresas deveriam adotar medidas para proteger crianças e adolescentes na internet, através da comprovação de identidade, melhoria no atendimento ao consumidor para denúncias, proibição de publicidade e venda para crianças, fim da reprodução automática e da rolagem infinita de vídeos e limitação de tempo de uso dos serviços.