<span class="abre-texto">Ciente da infinita capacidade</span> em guardar informações fora do campo consciente – onde nossas memórias brincam e adormecem –, deixo vir à mente um enredo de recorrente retorno, em especial na clínica, quando submeto-me a temas angustiantes: perda, abandono, mágoa, trauma e somatizações. Nesse meu lembrar, a reminiscência costuma recuperar trechos e lições do livro O Jardim Secreto, clássico da literatura infanto-juvenil, datado de 1911 e escrito por Frances Hodgson Burnett.
Pioneira em evidenciar crianças como protagonistas, o texto retrata a orfandade precoce de uma menina de dez anos, Mary, e seu primo de mesma idade, Colin, e como elas lidam, cada qual do seu jeito, com a dor de se verem sozinhas, ainda que não formalmente abandonadas.
Mary vivia na África com seus genitores; porém, sendo criada por babás desde pequenina, tornou-se uma garota mimada, birrenta, mal-humorada e autoritária. Até seus pais morrerem de cólera! Seu tio inglês a adota então, levando-a para sua mansão onde ele raramente permanecia.
Foi lá que Mary teve de aprender a falar outra língua e descobriu, após misteriosa busca pelo casarão, a existência do primo doente, um garoto recluso dentro do próprio quarto, prostrado na cama sem poder andar, sem acesso à luz solar ou visitas, a não ser a de um médico e de sua governanta – esta, a antagonista da história.
Colin, bem como todos os habitantes do lugar, mantinha a crença de que estava condenado a uma morte solitária por doença incurável. Destituído do amor materno e da presença paterna, o garoto absorveu a solidão como sentença injusta. Em suas dores, passou a sofrer, tornando-se autoritário, mimado, birrento e mal-humorado.
Na trama do Jardim Secreto, o real e o imaginário se entrelaçam; a magia de um pássaro tagarela e questionador, responsável por guiar a garota a um lugar encoberto por vegetação nos arredores da casa do tio viajante e ausente, costura passado e presente em um só nó dolorido: aquele recanto havia sido cenário do tombo de sua tia ainda grávida quando, junto ao marido, divertia-se em um balanço no jardim... até o galho que o prendia quebrar-se.
Levada às pressas ao interior da mansão, conseguiu dar à luz seu filho para, em seguida, falecer – motivo que levou aquele local a ser renegado pelo pai de Colin. O tio de Mary ordenou ao jardineiro que eliminasse qualquer vestígio da existência daquela área, não suportando a ideia de revê-la algum dia. Nunca se perdoara de não ter protegido a vida de seu grande amor, alimentando dentro de si imensa mágoa e culpa em ter sobrevivido. Para fugir das lembranças, passou a se ausentar da mansão, de seus sonhos e do convívio com o filho.
Sabe-se que nossas ações futuras a partir de um trauma decorrem da capacidade em lidar com a vivência do desagradável, reforçando a responsabilidade de cada um em relação às escolhas de prosseguir, recuar ou paralisar, e, sublinhando aqui, que indiferença e omissão também se enquadram como decisões, certamente as piores. Durante e após a experiência individual (e mesmo a coletiva) de um conflito, emoções diversas a ela se vinculam e ressoam, exigindo o exercício mental de diferenciar, sobre a tempestade experimentada, o que realmente dói e o que faz sofrer. Isso requer pensar sobre o sentir. E essa tarefa não é nem um pouco simples, vamos ser sinceros.
Entendo dor como o impacto físico, moral, emocional e psicológico que ocorre inesperadamente, suscitando perturbação e apreensão momentâneas e usualmente abreviada por medicação ou reorganização psíquica. E, sofrimento como a ação de reiterar, ampliar, prolongar e se apegar a um estado de excessivo coitadismo, de autocomplacência diante do que não se quer (do que não se deseja) enfrentar ou se responsabilizar.
Mas quem não teima por não aceitar a contrariedade de um desejo? Ocorre que pensamentos agregados à dor, de nossa autoria e qualidade, são os que irão definir nosso lugar naquela frustração: lugar de resiliência ou vitimização. Há no sofrer, portanto, muito de nossa birra, vaidade, sadismo... até sentimento de culpa.
Identificar a dimensão do sofrimento dependerá não apenas do senso de discernimento – que uma criança está longe de ter – como da inflexão do sentir à decisão e ação do sujeito para, conscientemente, enfrentar as causas de sua angústia e da sensação de desamparo instalada; tal exercício requer a prática do distanciamento emocional – a que for possível, claro! – e a reflexão sobre o tempo e o percurso do fluxo de nosso rio interno, rio das lembranças e emoções recalcadas, onde o sofrer reproduz-se em mágoas.
A depender da opção, aninhamos poças enlodadas no psiquismo, a respingarem gota a gota sua toxicidade no organismo.
Ao darmos margem à fixação mental no sofrer, abrimos caminhos inadequados de escoamento das energias desestabilizadas emocionalmente ao sistema físico, favorecendo somatizações ou outros sintomas patológicos.
Colin, além de não sentir as pernas (vivia deitado e, quando levantado, era posto em cadeira de rodas), gemia de dores inespecíficas; na hipótese psicanalítica, a manifestação histérica (paralisia) e o provável diagnóstico da fibromialgia (como uma estratégia de sobrevivência psíquica diante de experiências traumáticas precoces) surgem na sintomatologia como expressão de valor simbólico: no permanente estado de angústia, o garoto vazava fisicamente o que não verbalizava, ante o sofrimento de um viver sem querer/sem desejar, nascido de um não ser querido/não ser desejado.
Em dado momento da história, Mary consegue levar o primo até o recanto florido, onde ele se encanta por usufruir do sol, sentir aromas diferentes, ver a vida em movimento no voo dos pássaros, até se inspirar em tocar o tronco de uma velha árvore, desequilibrar-se e cair.
Sem que imaginasse, seu pai retorna de longa viagem e, ciente do desaparecimento do filho, passa a procurar por todos os cantos da propriedade até chegar perto da muralha e ouvir vozes de dentro daquele lugar. Ao entrar, surpreende-se em avistar o filho lutando para se levantar sem a ajuda da prima, conseguindo; sob o brilho do sol, pai e filho cruzam o olhar, compartilhando o sentimento único de reconhecimento sobre a importância da existência de um ao outro.
Um sentir delicado, porém, poderoso: o da sintonia amorosa, na qual o perdão se sobrepõe à mágoa, onde a inclusão se superpõe ao abandono, em que o tempo presente se faz a única e a melhor oportunidade à ressignificação do que não precisa mais percorrer no psiquismo.
No solo fértil da clínica, ao se deparar com a dor e o sofrer de quem se propõe a buscar luzes e saídas, há uma grande tarefa a ser desenvolvida pelo analista, sempre de forma sensível e conjunta. A boa jornada consiste em caminhar investigando, coletando, associando para construir e reconstruir sentidos; em questionar a relevância dada às pedras, às dores e às ideias perniciosas; em ressaltar a magnitude das forças internas, capazes de impulsionar à saúde, à paz e à vida.
Nunca nos esquecendo de que todos guardam um jardim secreto dentro de si, onde por vezes paralisamos ante a dor, cultivando a ressonância desta sem pensar que contribuímos para gerar males maiores. Também lembrando que a decisão em se pôr de pé, mergulhar no olhar de quem amamos (naquele exercício do admirar a si e ao outro), deixar a luz afugentar as sombras de um ontem que não tem mais valia, enfim, é de cada um.
O Brasil atingiu dois recordes consecutivos na geração de energia eólica em novembro deste ano. No dia 3, a produção média horária alcançou 23.699 megawatts médios (MWmed). Já no dia 4, foi registrado o maior volume diário, com 18.976 MWmed. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira (9) pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
Conforme a pasta, "os resultados destacam o avanço da energia eólica como uma fonte essencial para a matriz energética do país", confirmando o papel dessa tecnologia no fornecimento sustentável de energia.
O filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, foi indicado ao prêmio Globo de Ouro na categoria de melhor filme de língua estrangeira. A atriz Fernanda Torres também foi indicada a melhor atriz junto com Tilda Swinton, Kate Winslet, Angelina Jolie e Nicole Kidman.
Ainda Estou Aqui narra a trajetória da família Paiva — a mãe, Eunice, e os cinco filhos — após o desaparecimento do deputado Rubens Paiva, preso, torturado e morto pela ditadura militar brasileira.
<span class="abre-texto">Ciente da infinita capacidade</span> em guardar informações fora do campo consciente – onde nossas memórias brincam e adormecem –, deixo vir à mente um enredo de recorrente retorno, em especial na clínica, quando submeto-me a temas angustiantes: perda, abandono, mágoa, trauma e somatizações. Nesse meu lembrar, a reminiscência costuma recuperar trechos e lições do livro O Jardim Secreto, clássico da literatura infanto-juvenil, datado de 1911 e escrito por Frances Hodgson Burnett.
Pioneira em evidenciar crianças como protagonistas, o texto retrata a orfandade precoce de uma menina de dez anos, Mary, e seu primo de mesma idade, Colin, e como elas lidam, cada qual do seu jeito, com a dor de se verem sozinhas, ainda que não formalmente abandonadas.
Mary vivia na África com seus genitores; porém, sendo criada por babás desde pequenina, tornou-se uma garota mimada, birrenta, mal-humorada e autoritária. Até seus pais morrerem de cólera! Seu tio inglês a adota então, levando-a para sua mansão onde ele raramente permanecia.
Foi lá que Mary teve de aprender a falar outra língua e descobriu, após misteriosa busca pelo casarão, a existência do primo doente, um garoto recluso dentro do próprio quarto, prostrado na cama sem poder andar, sem acesso à luz solar ou visitas, a não ser a de um médico e de sua governanta – esta, a antagonista da história.
Colin, bem como todos os habitantes do lugar, mantinha a crença de que estava condenado a uma morte solitária por doença incurável. Destituído do amor materno e da presença paterna, o garoto absorveu a solidão como sentença injusta. Em suas dores, passou a sofrer, tornando-se autoritário, mimado, birrento e mal-humorado.
Na trama do Jardim Secreto, o real e o imaginário se entrelaçam; a magia de um pássaro tagarela e questionador, responsável por guiar a garota a um lugar encoberto por vegetação nos arredores da casa do tio viajante e ausente, costura passado e presente em um só nó dolorido: aquele recanto havia sido cenário do tombo de sua tia ainda grávida quando, junto ao marido, divertia-se em um balanço no jardim... até o galho que o prendia quebrar-se.
Levada às pressas ao interior da mansão, conseguiu dar à luz seu filho para, em seguida, falecer – motivo que levou aquele local a ser renegado pelo pai de Colin. O tio de Mary ordenou ao jardineiro que eliminasse qualquer vestígio da existência daquela área, não suportando a ideia de revê-la algum dia. Nunca se perdoara de não ter protegido a vida de seu grande amor, alimentando dentro de si imensa mágoa e culpa em ter sobrevivido. Para fugir das lembranças, passou a se ausentar da mansão, de seus sonhos e do convívio com o filho.
Sabe-se que nossas ações futuras a partir de um trauma decorrem da capacidade em lidar com a vivência do desagradável, reforçando a responsabilidade de cada um em relação às escolhas de prosseguir, recuar ou paralisar, e, sublinhando aqui, que indiferença e omissão também se enquadram como decisões, certamente as piores. Durante e após a experiência individual (e mesmo a coletiva) de um conflito, emoções diversas a ela se vinculam e ressoam, exigindo o exercício mental de diferenciar, sobre a tempestade experimentada, o que realmente dói e o que faz sofrer. Isso requer pensar sobre o sentir. E essa tarefa não é nem um pouco simples, vamos ser sinceros.
Entendo dor como o impacto físico, moral, emocional e psicológico que ocorre inesperadamente, suscitando perturbação e apreensão momentâneas e usualmente abreviada por medicação ou reorganização psíquica. E, sofrimento como a ação de reiterar, ampliar, prolongar e se apegar a um estado de excessivo coitadismo, de autocomplacência diante do que não se quer (do que não se deseja) enfrentar ou se responsabilizar.
Mas quem não teima por não aceitar a contrariedade de um desejo? Ocorre que pensamentos agregados à dor, de nossa autoria e qualidade, são os que irão definir nosso lugar naquela frustração: lugar de resiliência ou vitimização. Há no sofrer, portanto, muito de nossa birra, vaidade, sadismo... até sentimento de culpa.
Identificar a dimensão do sofrimento dependerá não apenas do senso de discernimento – que uma criança está longe de ter – como da inflexão do sentir à decisão e ação do sujeito para, conscientemente, enfrentar as causas de sua angústia e da sensação de desamparo instalada; tal exercício requer a prática do distanciamento emocional – a que for possível, claro! – e a reflexão sobre o tempo e o percurso do fluxo de nosso rio interno, rio das lembranças e emoções recalcadas, onde o sofrer reproduz-se em mágoas.
A depender da opção, aninhamos poças enlodadas no psiquismo, a respingarem gota a gota sua toxicidade no organismo.
Ao darmos margem à fixação mental no sofrer, abrimos caminhos inadequados de escoamento das energias desestabilizadas emocionalmente ao sistema físico, favorecendo somatizações ou outros sintomas patológicos.
Colin, além de não sentir as pernas (vivia deitado e, quando levantado, era posto em cadeira de rodas), gemia de dores inespecíficas; na hipótese psicanalítica, a manifestação histérica (paralisia) e o provável diagnóstico da fibromialgia (como uma estratégia de sobrevivência psíquica diante de experiências traumáticas precoces) surgem na sintomatologia como expressão de valor simbólico: no permanente estado de angústia, o garoto vazava fisicamente o que não verbalizava, ante o sofrimento de um viver sem querer/sem desejar, nascido de um não ser querido/não ser desejado.
Em dado momento da história, Mary consegue levar o primo até o recanto florido, onde ele se encanta por usufruir do sol, sentir aromas diferentes, ver a vida em movimento no voo dos pássaros, até se inspirar em tocar o tronco de uma velha árvore, desequilibrar-se e cair.
Sem que imaginasse, seu pai retorna de longa viagem e, ciente do desaparecimento do filho, passa a procurar por todos os cantos da propriedade até chegar perto da muralha e ouvir vozes de dentro daquele lugar. Ao entrar, surpreende-se em avistar o filho lutando para se levantar sem a ajuda da prima, conseguindo; sob o brilho do sol, pai e filho cruzam o olhar, compartilhando o sentimento único de reconhecimento sobre a importância da existência de um ao outro.
Um sentir delicado, porém, poderoso: o da sintonia amorosa, na qual o perdão se sobrepõe à mágoa, onde a inclusão se superpõe ao abandono, em que o tempo presente se faz a única e a melhor oportunidade à ressignificação do que não precisa mais percorrer no psiquismo.
No solo fértil da clínica, ao se deparar com a dor e o sofrer de quem se propõe a buscar luzes e saídas, há uma grande tarefa a ser desenvolvida pelo analista, sempre de forma sensível e conjunta. A boa jornada consiste em caminhar investigando, coletando, associando para construir e reconstruir sentidos; em questionar a relevância dada às pedras, às dores e às ideias perniciosas; em ressaltar a magnitude das forças internas, capazes de impulsionar à saúde, à paz e à vida.
Nunca nos esquecendo de que todos guardam um jardim secreto dentro de si, onde por vezes paralisamos ante a dor, cultivando a ressonância desta sem pensar que contribuímos para gerar males maiores. Também lembrando que a decisão em se pôr de pé, mergulhar no olhar de quem amamos (naquele exercício do admirar a si e ao outro), deixar a luz afugentar as sombras de um ontem que não tem mais valia, enfim, é de cada um.
O Brasil atingiu dois recordes consecutivos na geração de energia eólica em novembro deste ano. No dia 3, a produção média horária alcançou 23.699 megawatts médios (MWmed). Já no dia 4, foi registrado o maior volume diário, com 18.976 MWmed. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira (9) pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
Conforme a pasta, "os resultados destacam o avanço da energia eólica como uma fonte essencial para a matriz energética do país", confirmando o papel dessa tecnologia no fornecimento sustentável de energia.
O filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, foi indicado ao prêmio Globo de Ouro na categoria de melhor filme de língua estrangeira. A atriz Fernanda Torres também foi indicada a melhor atriz junto com Tilda Swinton, Kate Winslet, Angelina Jolie e Nicole Kidman.
Ainda Estou Aqui narra a trajetória da família Paiva — a mãe, Eunice, e os cinco filhos — após o desaparecimento do deputado Rubens Paiva, preso, torturado e morto pela ditadura militar brasileira.