<span class="abre-texto">Historia Naturalis Brasiliae</span> (HNB) é considerado o primeiro livro de história natural que trata de plantas e animais do Brasil, embora não tenha sido concebido com a intenção de ser “científico”, no sentido que damos à palavra hoje. Publicado no ano de 1648, na Holanda, divide-se em duas partes: a primeira, sobre medicina tropical, foi escrita pelo médico holandês Willem Piso; a segunda, sobre botânica, zoologia, astronomia, geografia e etnografia, foi escrita pelo astrônomo e naturalista alemão, Georg Marcgraf.
A obra fornece informações importantes sobre a biodiversidade do Brasil, os costumes dos povos nativos e, mais amplamente, a produção do conhecimento científico no século XVII. Em amplitude, só seria superada pelo Flora Brasiliensis, de Johann von Spix e Carl von Martius, publicado dois séculos depois, entre 1840 e 1906.
Neste texto, apresento a seção do HNB que trata das plantas, com ênfase nas ilustrações em gravura.
A edição foi financiada pelo Conde Maurício de Nassau, durante a ocupação holandesa do Nordeste (1630-1654). Designado governador-geral pela Companhia das Índias Ocidentais dos Países Baixos, Nassau desembarcou em Recife em 1637, acompanhado de um grupo de cientistas e artistas – entre os quais os pintores Frans Post e Albert Eckhout – que tinha como objetivo estudar e documentar a natureza e os habitantes do território. Piso e Marcgraf se juntariam ao grupo em 1638. Eles puderam coletar e observar plantas em expedições e também no jardim botânico construído por Nassau em 1640.
Indígenas, africanos e afro-brasileiros serviram como informantes a Piso e Marcgraf, de modo que todas as espécies catalogadas no HNB são apresentadas primeiro com o nome em língua indígena (às vezes também africana), seguidos do nome em português (quando conhecido) e da tradução para o holandês. As descrições e, sobretudo, o registro dos usos dessas espécies também são tributários das narrativas desses informantes, cujos nomes foram ignorados.
O conhecimento dos povos nativos sobre a natureza, ao ser filtrado pela tradição europeia no HNB, foi separado de seu conteúdo mítico ou religioso. Além disso, apesar dessas populações serem co-autoras da obra, ela nunca retornou, de algum modo, a elas. Os povos do Brasil tinham as suas próprias formas de compreender, registrar e classificar o mundo natural, as quais foram apropriadas e transformadas pelos europeus, sem benefícios para os nativos. Ainda assim, ao levar em consideração o seu relato, a obra preserva o patrimônio imaterial das populações indígenas atuais.
O HNB foi escrito em latim. Desse modo, poderia ser lido por um público europeu mais amplo do que o dos Países Baixos. É um in-fólio – no qual as folhas impressas são dobradas apenas uma vez – com cerca de 450 páginas. No frontispício ou capa, consta que foi impresso pelas gráficas das famílias Elsevier e Hackius, em Amsterdã e Leiden. Havia uma colaboração entre essas oficinas holandesas, com troca de matrizes, desde ao menos 1643. Inicialmente, o livro foi distribuído entre as bibliotecas da realeza e da aristocracia, de colecionadores, de ordens religiosas, de médicos e de naturalistas.
O HNB foi publicado depois da morte de Marcgraf em Angola, em 1644. Johannes de Laet, que era um dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais dos Países Baixos e também naturalista, ficou encarregado da edição. No prefácio, ele comenta a grande dificuldade que teve para organizar o material que Marcgraf havia confiado ao Conde de Nassau, pois, além de as ilustrações em desenho e pintura não estarem todas devidamente identificadas, Marcgraf escreveu em língua criptografada, com receio de ter suas descobertas roubadas.
O texto de Marcgraf para cada espécie vegetal é essencialmente descritivo. De Laet acrescentou, sob o título de Annotatio, comentários eruditos que comparam as descrições do alemão a considerações de naturalistas europeus anteriores, em especial Ulisse Aldrovandi. Assim, de Laet insere o texto na tradição científica ocidental estabelecida até ali.
A ilustração da capa do HNB foi gravada em metal, especificamente a técnica do buril, pelo holandês Theodor Matham. Na composição de Matham fica evidente o enquadramento europeu do assunto. Vemos, em primeiro plano, um casal de indígenas tapuia retratados de forma semelhante a Adão e Eva. Abaixo, um deus fluvial, que segue o modelo da estatuária greco-romana. Na passagem ao fundo, realizada por meio da perspectiva linear, passamos pelo abacaxi, a mandioca, o caju e o coco, entre outras espécies nativas ou não do Brasil.
Não sabemos os nomes dos artífices que gravaram sobre madeira as imagens do miolo, feitas com base nos desenhos e pinturas do próprio Marcgraf e de artistas desconhecidos (Eckhout é um dos nomes cogitados) e também em seu herbário. Os modelos em desenho e pintura foram reunidos nos dois tomos do Libri principis e nos quatro tomos do Theatri rerum naturalium Brasiliae. Ambos encontram-se na Biblioteca Jaguelônica, em Cracóvia, Polônia, e foram digitalizados. Conforme, ainda, um levantamento de 2023, existem 14 exemplares conhecidos do HNB nos quais as gravuras foram coloridas à mão, em aquarela, um deles conservado na coleção Brasiliana Itaú. A cor poderia ter sido aplicada nas oficinas de impressão, por artistas fora delas ou mesmo pelos próprios proprietários do livro, pois o colorido varia de uma cópia a outra e nem sempre corresponde à paleta usada nos modelos.
Por que fazer apenas a capa e não todas as ilustrações em metal, uma técnica que permitiria traduzir melhor os detalhes dos originais se comparada à xilogravura? O HNB foi publicado em um período, a primeira metade do século XVII, em que a maior parte das publicações de história natural eram ilustradas com xilogravuras. A gravura em metal passou a ser a técnica dominante somente na segunda metade do século XVII. Em 1648, ano da primeira edição, o custo de uma ilustração em metal ainda era bem maior do que em madeira e isso deve ter pesado na decisão final.
Outra questão que o livro coloca, em especial para os leitores de hoje, é a fidelidade da imagem ilustrativa em relação ao seu modelo na natureza, em especial na transposição do desenho à gravura. Isso porque, no campo da ilustração científica, a imagem possui a função de identificar o mais precisamente possível o objeto da representação. Seu valor, antes de estético, é funcional.
Apesar de serem consideradas boas ilustrações, as gravuras do HNB não apresentam um nível de precisão tão alto para os padrões botânicos atuais. Além da dificuldade em reproduzir os detalhes na xilogravura, uma mesma matriz foi usada, em alguns casos, para representar diferentes espécies botânicas. Isso era uma prática comum nas oficinas de impressão. As matrizes das ilustrações poderiam ser impressas mais de uma vez na mesma publicação ou ser reaproveitadas posteriormente, em outras publicações. Por exemplo, uma das matrizes usadas no HNB para representar indígenas do Chile é reutilizada em outra publicação, no início do século XIX, para representar indígenas da América do Norte.
Sobre essa “falta de rigor” das ilustrações do livro aos olhos dos botânicos atuais, precisamos ter em mente que o HNB não foi pensado para ser um guia de campo. A grande maioria dos leitores no século XVII, a quem a obra se destinava, não iria comparar essas imagens com seus referentes naturais no Brasil ou mesmo em estufas e jardins locais. O propósito do livro era maravilhar o leitor com o exotismo da flora de lugares que, até pouco tempo atrás, esse leitor não sabia que existia.
Pela distribuição e alcance, o HNB promoveu a construção do imaginário da “quarta parte do mundo” – para além de Europa, Ásia e África, os continentes então conhecidos pelos europeus. A colonização se estrutura também pela violência simbólica: conhecer para imaginar e imaginar para dominar. Mesmo que o HNB permita acessar o conhecimento indígena e africano do período sobre a natureza, não podemos esquecer que ele se constituiu em uma ferramenta de domínio simbólico sobre as colônias americanas no século XVII.
Por Luciana Paes.
O festival de música Rock in Rio inicia nesta sexta-feira (13) e segue até domingo (22) na Cidade do Rock, localizada na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
O evento completa 40 anos da sua primeira edição e promete uma celebração histórica. A organização espera receber mais de 700 mil pessoas, entre moradores do estado, turistas brasileiros e estrangeiros.
Pesquisa do Instituto Alana indica que nove em cada dez brasileiros acreditam que as redes sociais não protegem crianças e adolescentes. O levantamento, realizado pelo Datafolha, ouviu 2.009 pessoas, com 16 anos ou mais, de todas as classes sociais, entre os dias 12 e 18 de julho.
Segundo o estudo, divulgado nesta quinta-feira (12), 97% dos entrevistados defendem que as empresas deveriam adotar medidas para proteger crianças e adolescentes na internet, através da comprovação de identidade, melhoria no atendimento ao consumidor para denúncias, proibição de publicidade e venda para crianças, fim da reprodução automática e da rolagem infinita de vídeos e limitação de tempo de uso dos serviços.
<span class="abre-texto">Historia Naturalis Brasiliae</span> (HNB) é considerado o primeiro livro de história natural que trata de plantas e animais do Brasil, embora não tenha sido concebido com a intenção de ser “científico”, no sentido que damos à palavra hoje. Publicado no ano de 1648, na Holanda, divide-se em duas partes: a primeira, sobre medicina tropical, foi escrita pelo médico holandês Willem Piso; a segunda, sobre botânica, zoologia, astronomia, geografia e etnografia, foi escrita pelo astrônomo e naturalista alemão, Georg Marcgraf.
A obra fornece informações importantes sobre a biodiversidade do Brasil, os costumes dos povos nativos e, mais amplamente, a produção do conhecimento científico no século XVII. Em amplitude, só seria superada pelo Flora Brasiliensis, de Johann von Spix e Carl von Martius, publicado dois séculos depois, entre 1840 e 1906.
Neste texto, apresento a seção do HNB que trata das plantas, com ênfase nas ilustrações em gravura.
A edição foi financiada pelo Conde Maurício de Nassau, durante a ocupação holandesa do Nordeste (1630-1654). Designado governador-geral pela Companhia das Índias Ocidentais dos Países Baixos, Nassau desembarcou em Recife em 1637, acompanhado de um grupo de cientistas e artistas – entre os quais os pintores Frans Post e Albert Eckhout – que tinha como objetivo estudar e documentar a natureza e os habitantes do território. Piso e Marcgraf se juntariam ao grupo em 1638. Eles puderam coletar e observar plantas em expedições e também no jardim botânico construído por Nassau em 1640.
Indígenas, africanos e afro-brasileiros serviram como informantes a Piso e Marcgraf, de modo que todas as espécies catalogadas no HNB são apresentadas primeiro com o nome em língua indígena (às vezes também africana), seguidos do nome em português (quando conhecido) e da tradução para o holandês. As descrições e, sobretudo, o registro dos usos dessas espécies também são tributários das narrativas desses informantes, cujos nomes foram ignorados.
O conhecimento dos povos nativos sobre a natureza, ao ser filtrado pela tradição europeia no HNB, foi separado de seu conteúdo mítico ou religioso. Além disso, apesar dessas populações serem co-autoras da obra, ela nunca retornou, de algum modo, a elas. Os povos do Brasil tinham as suas próprias formas de compreender, registrar e classificar o mundo natural, as quais foram apropriadas e transformadas pelos europeus, sem benefícios para os nativos. Ainda assim, ao levar em consideração o seu relato, a obra preserva o patrimônio imaterial das populações indígenas atuais.
O HNB foi escrito em latim. Desse modo, poderia ser lido por um público europeu mais amplo do que o dos Países Baixos. É um in-fólio – no qual as folhas impressas são dobradas apenas uma vez – com cerca de 450 páginas. No frontispício ou capa, consta que foi impresso pelas gráficas das famílias Elsevier e Hackius, em Amsterdã e Leiden. Havia uma colaboração entre essas oficinas holandesas, com troca de matrizes, desde ao menos 1643. Inicialmente, o livro foi distribuído entre as bibliotecas da realeza e da aristocracia, de colecionadores, de ordens religiosas, de médicos e de naturalistas.
O HNB foi publicado depois da morte de Marcgraf em Angola, em 1644. Johannes de Laet, que era um dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais dos Países Baixos e também naturalista, ficou encarregado da edição. No prefácio, ele comenta a grande dificuldade que teve para organizar o material que Marcgraf havia confiado ao Conde de Nassau, pois, além de as ilustrações em desenho e pintura não estarem todas devidamente identificadas, Marcgraf escreveu em língua criptografada, com receio de ter suas descobertas roubadas.
O texto de Marcgraf para cada espécie vegetal é essencialmente descritivo. De Laet acrescentou, sob o título de Annotatio, comentários eruditos que comparam as descrições do alemão a considerações de naturalistas europeus anteriores, em especial Ulisse Aldrovandi. Assim, de Laet insere o texto na tradição científica ocidental estabelecida até ali.
A ilustração da capa do HNB foi gravada em metal, especificamente a técnica do buril, pelo holandês Theodor Matham. Na composição de Matham fica evidente o enquadramento europeu do assunto. Vemos, em primeiro plano, um casal de indígenas tapuia retratados de forma semelhante a Adão e Eva. Abaixo, um deus fluvial, que segue o modelo da estatuária greco-romana. Na passagem ao fundo, realizada por meio da perspectiva linear, passamos pelo abacaxi, a mandioca, o caju e o coco, entre outras espécies nativas ou não do Brasil.
Não sabemos os nomes dos artífices que gravaram sobre madeira as imagens do miolo, feitas com base nos desenhos e pinturas do próprio Marcgraf e de artistas desconhecidos (Eckhout é um dos nomes cogitados) e também em seu herbário. Os modelos em desenho e pintura foram reunidos nos dois tomos do Libri principis e nos quatro tomos do Theatri rerum naturalium Brasiliae. Ambos encontram-se na Biblioteca Jaguelônica, em Cracóvia, Polônia, e foram digitalizados. Conforme, ainda, um levantamento de 2023, existem 14 exemplares conhecidos do HNB nos quais as gravuras foram coloridas à mão, em aquarela, um deles conservado na coleção Brasiliana Itaú. A cor poderia ter sido aplicada nas oficinas de impressão, por artistas fora delas ou mesmo pelos próprios proprietários do livro, pois o colorido varia de uma cópia a outra e nem sempre corresponde à paleta usada nos modelos.
Por que fazer apenas a capa e não todas as ilustrações em metal, uma técnica que permitiria traduzir melhor os detalhes dos originais se comparada à xilogravura? O HNB foi publicado em um período, a primeira metade do século XVII, em que a maior parte das publicações de história natural eram ilustradas com xilogravuras. A gravura em metal passou a ser a técnica dominante somente na segunda metade do século XVII. Em 1648, ano da primeira edição, o custo de uma ilustração em metal ainda era bem maior do que em madeira e isso deve ter pesado na decisão final.
Outra questão que o livro coloca, em especial para os leitores de hoje, é a fidelidade da imagem ilustrativa em relação ao seu modelo na natureza, em especial na transposição do desenho à gravura. Isso porque, no campo da ilustração científica, a imagem possui a função de identificar o mais precisamente possível o objeto da representação. Seu valor, antes de estético, é funcional.
Apesar de serem consideradas boas ilustrações, as gravuras do HNB não apresentam um nível de precisão tão alto para os padrões botânicos atuais. Além da dificuldade em reproduzir os detalhes na xilogravura, uma mesma matriz foi usada, em alguns casos, para representar diferentes espécies botânicas. Isso era uma prática comum nas oficinas de impressão. As matrizes das ilustrações poderiam ser impressas mais de uma vez na mesma publicação ou ser reaproveitadas posteriormente, em outras publicações. Por exemplo, uma das matrizes usadas no HNB para representar indígenas do Chile é reutilizada em outra publicação, no início do século XIX, para representar indígenas da América do Norte.
Sobre essa “falta de rigor” das ilustrações do livro aos olhos dos botânicos atuais, precisamos ter em mente que o HNB não foi pensado para ser um guia de campo. A grande maioria dos leitores no século XVII, a quem a obra se destinava, não iria comparar essas imagens com seus referentes naturais no Brasil ou mesmo em estufas e jardins locais. O propósito do livro era maravilhar o leitor com o exotismo da flora de lugares que, até pouco tempo atrás, esse leitor não sabia que existia.
Pela distribuição e alcance, o HNB promoveu a construção do imaginário da “quarta parte do mundo” – para além de Europa, Ásia e África, os continentes então conhecidos pelos europeus. A colonização se estrutura também pela violência simbólica: conhecer para imaginar e imaginar para dominar. Mesmo que o HNB permita acessar o conhecimento indígena e africano do período sobre a natureza, não podemos esquecer que ele se constituiu em uma ferramenta de domínio simbólico sobre as colônias americanas no século XVII.
Por Luciana Paes.
O festival de música Rock in Rio inicia nesta sexta-feira (13) e segue até domingo (22) na Cidade do Rock, localizada na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
O evento completa 40 anos da sua primeira edição e promete uma celebração histórica. A organização espera receber mais de 700 mil pessoas, entre moradores do estado, turistas brasileiros e estrangeiros.
Pesquisa do Instituto Alana indica que nove em cada dez brasileiros acreditam que as redes sociais não protegem crianças e adolescentes. O levantamento, realizado pelo Datafolha, ouviu 2.009 pessoas, com 16 anos ou mais, de todas as classes sociais, entre os dias 12 e 18 de julho.
Segundo o estudo, divulgado nesta quinta-feira (12), 97% dos entrevistados defendem que as empresas deveriam adotar medidas para proteger crianças e adolescentes na internet, através da comprovação de identidade, melhoria no atendimento ao consumidor para denúncias, proibição de publicidade e venda para crianças, fim da reprodução automática e da rolagem infinita de vídeos e limitação de tempo de uso dos serviços.