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Opinião

‘A traição de Cristo’ de Albrecht Dürer

Uma análise iconográfica da obra 'A traição de Cristo' de Albrecht Dürer.Uma análise iconográfica da obra 'A traição de Cristo' de Albrecht Dürer.
Divulgação
/
Albrecht Dürer. Detalhe de 'A traição de Cristo', 1508. Gravura a buril sobre papel, 12 x 7,5 cm.
Gracon

Em 1508, Albrecht Dürer finalizou a obra A traição de Cristo, uma das 16 gravuras em metal que faziam parte da série Paixão Gravada. Nessa época, ele estava com 37 anos, no auge de sua carreira enquanto artista. A gravura em questão possui 12 cm de altura e 7,5 cm de largura, feita a buril e a impressão sobre papel.

Uma impressão dessa gravura foi doada ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) em 2002, pelo diplomata brasileiro Lauro Eduardo Soutello Alves (MASP, 2023).

Além disso, não se sabe se a série de gravuras foi feita sob encomenda, de acordo com Panofsky (1955, p. 139-140) o que se sabe é que a série Paixão Gravada e Pequena Paixão são uma espécie de releitura de uma série de desenhos sobre a Grande Paixão de Cristo, que se chama a Paixão Verde. Ao contrário das xilogravuras mais populares, as gravuras, da série Paixão Gravada, foram projetadas para atrair um mercado mais exclusivo de apreciadores e colecionadores (V&A, 2009).

Por se tratar de uma impressão que faz parte de uma série, não foi possível encontrar autores que investigaram e analisaram essa gravura em específico. No entanto, alguns sites como V&A (2009), MASP (2023) e Panofsky (1955) foram importantes na análise que segue, pois a partir dessas referências foi possível ter um maior conhecimento sobre a série de gravuras Paixão Gravada, e assim realizar uma análise mais precisa sobre a obra.

Em primeiro plano, Simão Pedro, um dos doze discípulos de Jesus, está de pé segurando uma espada e está prestes a cortar a orelha do servo Malco, o qual acompanha os soldados. Malcon está no chão, se apoiando numa laterna e em sua mão esquerda segura uma clava de madeira, tentando se defender do golpe. O manto de Simão Pedro parece ser afetado ou pelo vento ou por consequência de seu movimento para desferir o golpe (MASP, 2023). 

No segundo plano, Jesus, com um semblante calmo no rosto, recebe um beijo de Judas, maneira como o traidor o identifica para os militares. Enquanto Judas beija-o, também segura um saco com 30 moedas de prata, que lhe foi prometido pelos soldados, de acordo com o evangelho de Marcos. Às costas de Cristo, estão os oficiais romanos prestes a prendê-lo. Todos os soldados demonstram ódio e violência em seus rostos, em contraste com Jesus, que continua sereno (MASP, 2023).

E no terceiro plano, distante do assunto principal, estão duas pessoas correndo uma atrás da outra, em uma paisagem sem muitas árvores, composta somente por um caminho, cercas e uma espécie de portal de entrada para um terreno. Além disso, o céu é marcado por muitas linhas horizontais, demonstrando ser uma cena noturna.

A gravura tem como destaque a verticalidade dos personagens, a maioria está de pé, porém, só conseguimos ver Malco, Simão Pedro e Jesus por inteiro. As tochas e lanças dos soldados reforçam a predominância das linhas verticais da cena. Assim como as linhas horizontais também se destacam muito no céu, por se tratar de uma cena noturna. Na espada de Simão Pedro e na clava de Malco também notamos linhas horizontais/diagonais que se destacam na composição da gravura.

Próximo ao centro da gravura, percebemos a aproximação de pontos que ligam a história da Traição de Cristo: O rosto de Simão Pedro nervoso enquanto ataca o servo Malco e a mão de Judas com o saco de moedas próxima à mão de Jesus. A composição é dinâmica, todos os personagens estão em movimento. Podemos dividir em 3 partes a composição, sendo uma para cada plano. Cada parte se relaciona a uma parte da história do evangelho de Marcos, é uma mesma história com atos seguidos um do outro, mas que Dürer resolveu unir tudo em uma única cena. Assim como na imagem a seguir:

Na Bíblia primeiro Judas beija Jesus, depois Simão Pedro decepa a orelha do servo Malco, e logo após isso, Jesus cura a orelha de Malco e pede para que os seus discípulos não resistam. Então percebemos que Dürer retratou de forma fiel a passagem bíblica, sem muitos desvios. Um ponto ainda misterioso sobre essa gravura são as duas pessoas correndo ao fundo, não se sabe ao certo quem são e o que representam.

Comparando com obras sobre o mesmo tema da época de Dürer, a diferença dessa obra para as demais é a junção de mais uma cena acontecendo ao mesmo tempo, de forma dinâmica. Uma obra parecida a essa é a de Giotto di Bondone, O beijo de Judas, que é datada de 1304-1306 e faz parte do ciclo de afrescos da Cappella degli Scrovegni, em Padova. Nela, Giotto também retrata o momento em que Simão Pedro corta a orelha de Malco, enquanto Judas beija Jesus. A diferença é que Dürer retrata os personagens com um movimento mais “natural”, enquanto Giotto pinta todos quase no mesmo plano, sem a sensação de movimento e profundidade que Dürer cria em sua gravura.

Outra obra posterior a de Dürer que podemos comparar é A Captura de Cristo, de Caravaggio, que retrata somente o momento em que Judas vai beijar Jesus, dando o foco somente a essa cena. Também podemos analisar o quadro A traição de Cristo, de Giuseppe Cesari, feita em 1596, em que o artista retrata os soldados com mais movimento e também retrata a cena em que Simão Pedro corta a orelha de Malco, e nela encontramos uma semelhança a gravura de Dürer, quando vemos as duas pessoas correndo uma atrás da outra, agora com maior clareza. Na gravura de Dürer os dois estavam ao fundo, já nesta pintura os dois estão quase no primeiro plano. 

Portanto, nesta análise percebemos características essenciais do trabalho de Dürer, a hachura, a linha, o movimento e as proporções são marcantes em sua obra A traição de Cristo apesar de representar uma história cristã, Dürer fez essa série de gravuras com o objetivo de atingir um público diferente, de apreciadores de arte e colecionadores.

Considerações finais

Neste texto, propus uma reflexão sobre a obra A traição de Cristo. Iniciei descrevendo a técnica utilizada, destaquei, na sequência, os planos da composição cujas histórias representadas ficam muito claras se comparados ao evangelho de Marcos. Então, comparei a obra com a obra, de mesmo tema, do Giotto, Caravaggio e Cesari. O trabalho do Panofsky (1955) foi importante para compreender qual era o contexto da criação dessa série de gravuras, e a relação com outros trabalhos do Dürer. Contexto esse que Dürer realizava séries de gravuras com um público alvo direcionado a apreciadores de arte, que foi o caso da Paixão Gravada e a Paixão Verde.

Por Hamed Almeida Braga.

Última atualização
10/7/2024 9:26
Gracon
Grupo de pesquisa em Gravura Contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).

Brasil tem 160 mil idosos em Instituições de Longa Permanência

Brasil tem 160 mil idosos em Instituições de Longa Permanência

Redação Cidade Capital
6/9/2024 10:52

Em 2022, o Brasil contava com 160.784 pessoas vivendo em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), segundo dados do último Censo divulgados nesta sexta-feira (6) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Esse número equivale a 0,5% da população com mais de 60 anos, que totaliza 32,1 milhões de pessoas. A maior parte dos idosos em ILPI está concentrada no Sudeste, com 57,5%, região que abriga 46,6% da população idosa do país. O Sul responde por 24,8% dos idosos institucionalizados e possui 16,4% da população idosa.

Festival de Parintins torna-se patrimônio cultural brasileiro

Festival de Parintins torna-se patrimônio cultural brasileiro

Redação Cidade Capital
6/9/2024 10:22

O Festival Folclórico de Parintins, realizado no Amazonas, foi oficialmente reconhecido como patrimônio cultural do Brasil através do projeto de lei sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira (4).

O evento ocorre anualmente, no mês de junho, na cidade de Parintins, Amazonas. Já reconhecido como Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o festival celebra a tradição do boi-bumbá, em uma disputa entre dois bois: Garantido e Caprichoso.

Opinião

‘A traição de Cristo’ de Albrecht Dürer

Uma análise iconográfica da obra 'A traição de Cristo' de Albrecht Dürer.Uma análise iconográfica da obra 'A traição de Cristo' de Albrecht Dürer.
Divulgação
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Albrecht Dürer. Detalhe de 'A traição de Cristo', 1508. Gravura a buril sobre papel, 12 x 7,5 cm.
Gracon
Grupo de pesquisa em Gravura Contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).
10/7/2024 9:26
Gracon

Em 1508, Albrecht Dürer finalizou a obra A traição de Cristo, uma das 16 gravuras em metal que faziam parte da série Paixão Gravada. Nessa época, ele estava com 37 anos, no auge de sua carreira enquanto artista. A gravura em questão possui 12 cm de altura e 7,5 cm de largura, feita a buril e a impressão sobre papel.

Uma impressão dessa gravura foi doada ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) em 2002, pelo diplomata brasileiro Lauro Eduardo Soutello Alves (MASP, 2023).

Além disso, não se sabe se a série de gravuras foi feita sob encomenda, de acordo com Panofsky (1955, p. 139-140) o que se sabe é que a série Paixão Gravada e Pequena Paixão são uma espécie de releitura de uma série de desenhos sobre a Grande Paixão de Cristo, que se chama a Paixão Verde. Ao contrário das xilogravuras mais populares, as gravuras, da série Paixão Gravada, foram projetadas para atrair um mercado mais exclusivo de apreciadores e colecionadores (V&A, 2009).

Por se tratar de uma impressão que faz parte de uma série, não foi possível encontrar autores que investigaram e analisaram essa gravura em específico. No entanto, alguns sites como V&A (2009), MASP (2023) e Panofsky (1955) foram importantes na análise que segue, pois a partir dessas referências foi possível ter um maior conhecimento sobre a série de gravuras Paixão Gravada, e assim realizar uma análise mais precisa sobre a obra.

Em primeiro plano, Simão Pedro, um dos doze discípulos de Jesus, está de pé segurando uma espada e está prestes a cortar a orelha do servo Malco, o qual acompanha os soldados. Malcon está no chão, se apoiando numa laterna e em sua mão esquerda segura uma clava de madeira, tentando se defender do golpe. O manto de Simão Pedro parece ser afetado ou pelo vento ou por consequência de seu movimento para desferir o golpe (MASP, 2023). 

No segundo plano, Jesus, com um semblante calmo no rosto, recebe um beijo de Judas, maneira como o traidor o identifica para os militares. Enquanto Judas beija-o, também segura um saco com 30 moedas de prata, que lhe foi prometido pelos soldados, de acordo com o evangelho de Marcos. Às costas de Cristo, estão os oficiais romanos prestes a prendê-lo. Todos os soldados demonstram ódio e violência em seus rostos, em contraste com Jesus, que continua sereno (MASP, 2023).

E no terceiro plano, distante do assunto principal, estão duas pessoas correndo uma atrás da outra, em uma paisagem sem muitas árvores, composta somente por um caminho, cercas e uma espécie de portal de entrada para um terreno. Além disso, o céu é marcado por muitas linhas horizontais, demonstrando ser uma cena noturna.

A gravura tem como destaque a verticalidade dos personagens, a maioria está de pé, porém, só conseguimos ver Malco, Simão Pedro e Jesus por inteiro. As tochas e lanças dos soldados reforçam a predominância das linhas verticais da cena. Assim como as linhas horizontais também se destacam muito no céu, por se tratar de uma cena noturna. Na espada de Simão Pedro e na clava de Malco também notamos linhas horizontais/diagonais que se destacam na composição da gravura.

Próximo ao centro da gravura, percebemos a aproximação de pontos que ligam a história da Traição de Cristo: O rosto de Simão Pedro nervoso enquanto ataca o servo Malco e a mão de Judas com o saco de moedas próxima à mão de Jesus. A composição é dinâmica, todos os personagens estão em movimento. Podemos dividir em 3 partes a composição, sendo uma para cada plano. Cada parte se relaciona a uma parte da história do evangelho de Marcos, é uma mesma história com atos seguidos um do outro, mas que Dürer resolveu unir tudo em uma única cena. Assim como na imagem a seguir:

Na Bíblia primeiro Judas beija Jesus, depois Simão Pedro decepa a orelha do servo Malco, e logo após isso, Jesus cura a orelha de Malco e pede para que os seus discípulos não resistam. Então percebemos que Dürer retratou de forma fiel a passagem bíblica, sem muitos desvios. Um ponto ainda misterioso sobre essa gravura são as duas pessoas correndo ao fundo, não se sabe ao certo quem são e o que representam.

Comparando com obras sobre o mesmo tema da época de Dürer, a diferença dessa obra para as demais é a junção de mais uma cena acontecendo ao mesmo tempo, de forma dinâmica. Uma obra parecida a essa é a de Giotto di Bondone, O beijo de Judas, que é datada de 1304-1306 e faz parte do ciclo de afrescos da Cappella degli Scrovegni, em Padova. Nela, Giotto também retrata o momento em que Simão Pedro corta a orelha de Malco, enquanto Judas beija Jesus. A diferença é que Dürer retrata os personagens com um movimento mais “natural”, enquanto Giotto pinta todos quase no mesmo plano, sem a sensação de movimento e profundidade que Dürer cria em sua gravura.

Outra obra posterior a de Dürer que podemos comparar é A Captura de Cristo, de Caravaggio, que retrata somente o momento em que Judas vai beijar Jesus, dando o foco somente a essa cena. Também podemos analisar o quadro A traição de Cristo, de Giuseppe Cesari, feita em 1596, em que o artista retrata os soldados com mais movimento e também retrata a cena em que Simão Pedro corta a orelha de Malco, e nela encontramos uma semelhança a gravura de Dürer, quando vemos as duas pessoas correndo uma atrás da outra, agora com maior clareza. Na gravura de Dürer os dois estavam ao fundo, já nesta pintura os dois estão quase no primeiro plano. 

Portanto, nesta análise percebemos características essenciais do trabalho de Dürer, a hachura, a linha, o movimento e as proporções são marcantes em sua obra A traição de Cristo apesar de representar uma história cristã, Dürer fez essa série de gravuras com o objetivo de atingir um público diferente, de apreciadores de arte e colecionadores.

Considerações finais

Neste texto, propus uma reflexão sobre a obra A traição de Cristo. Iniciei descrevendo a técnica utilizada, destaquei, na sequência, os planos da composição cujas histórias representadas ficam muito claras se comparados ao evangelho de Marcos. Então, comparei a obra com a obra, de mesmo tema, do Giotto, Caravaggio e Cesari. O trabalho do Panofsky (1955) foi importante para compreender qual era o contexto da criação dessa série de gravuras, e a relação com outros trabalhos do Dürer. Contexto esse que Dürer realizava séries de gravuras com um público alvo direcionado a apreciadores de arte, que foi o caso da Paixão Gravada e a Paixão Verde.

Por Hamed Almeida Braga.

Gracon
Grupo de pesquisa em Gravura Contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar).
Última atualização
10/7/2024 9:26

Brasil tem 160 mil idosos em Instituições de Longa Permanência

Redação Cidade Capital
6/9/2024 10:52

Em 2022, o Brasil contava com 160.784 pessoas vivendo em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), segundo dados do último Censo divulgados nesta sexta-feira (6) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Esse número equivale a 0,5% da população com mais de 60 anos, que totaliza 32,1 milhões de pessoas. A maior parte dos idosos em ILPI está concentrada no Sudeste, com 57,5%, região que abriga 46,6% da população idosa do país. O Sul responde por 24,8% dos idosos institucionalizados e possui 16,4% da população idosa.

Festival de Parintins torna-se patrimônio cultural brasileiro

Redação Cidade Capital
6/9/2024 10:22

O Festival Folclórico de Parintins, realizado no Amazonas, foi oficialmente reconhecido como patrimônio cultural do Brasil através do projeto de lei sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira (4).

O evento ocorre anualmente, no mês de junho, na cidade de Parintins, Amazonas. Já reconhecido como Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o festival celebra a tradição do boi-bumbá, em uma disputa entre dois bois: Garantido e Caprichoso.